26 de set. de 2010

Por que o Rio Grande do Sul é assim – parte VII

O castilhismo e a chamada “liberdade de imprensa”
Se um dos aferidores da democracia formal é de fato a liberdade de imprensa, então, o RS tinha mais democracia no final do século 19 do que na presente conjuntura. No final do Império acontecia um vivo e candente debate democrático entre os órgãos de imprensa local, divididos entre publicações religiosas e não-religiosas, e estas subdivididas entre republicanos radicais, liberais monarquistas, liberais republicanos, e conservadores.

Hoje, este debate está morto. Não temos mais pluralidade nos órgãos de comunicação. Atualmente existe uma única linguagem político-ideológica. A pluralidade é apenas numérica e segundo a modalidade da mídia. De resto, temos uma mídia de pensamento único e inquestionável, a mídia do partido único da mercadoria. Que confunde deliberadamente (ideologicamente) cidadão com consumidor. A democracia que apregoa fica reduzida à miséria espiritual de se escolher entre um celular A, B ou C, uma bugiganga ruim ou uma bugiganga péssima. Os consumidores são laureados “vencedores”, os nãoconsumidores são indexados como “perdedores”.
A velha bandeira liberalburguesa da cidadania é substituída pelo audór colorido e iluminado do consumidor unidimensional. A proclamada “liberdade de imprensa” é a liberdade embrutecida do consumidor, não do cidadão esclarecido e autônomo. O jornal mais exaltado na propaganda republicana no Rio Grande do Sul sem dúvida foi o diário A Federação. Foi fundado praticamente junto com o Partido Republicano Rio-grandense (PRR) no início da década de 1880. Chama a atenção, pois, o relêvo que era dado pelos positivistas à questão de uma imprensa partidária atuante e combativa. Seu redator, Júlio de Castilhos,
compreendia essa importância estratégica desde os tempos de estudante, quando já mantinha uma pequena publicação de divulgação e debate político.

Antes disso, ainda, os estudantes Castilhos e Assis Brasil, então aliados e íntimos companheiros de ideais republicanos, haviam fundado o “Clube 20 de Setembro” com a intenção de criarem um círculo de estudos dos ideais Farroupilhas. Destes estudos coletivos resultaram dois trabalhos publicados em 1882: História popular do Rio Grande do Sul, de Alcides Lima (já uma preocupação com a categoria popular), e História da República Rio-Grandense, de Assis Brasil.

Castilhos se dedicou integralmente ao jornal A Federação, fazendo deste diário um instrumento forte de combate à monarquia. Em janeiro de 1885, ano que seria marcado por “sensacionais combates de Imprensa”, segundo um autor, chegam a Porto Alegre, o Conde D`Eu e a princesa Isabel, sua esposa. Castilhos mostra toda a convicção política e a sua “audácia irreverente em face de membros da família imperial, tanto mais grave por deflagrar num ambiente de província, em meio à aura de bajulação que envolvia o passeio propagandístico dos sucessores do trono” de Pedro 2º.

Júlio de Castilhos escreveu em A Federação: “O 1º Reinado foi a violência. O 2º é a corrupção. Que será o 3º ? O 3º não constituirá mais do que uma esperança dos príncipes que atualmente nos visitam, esperança que há de ser infalivelmente malograda”.

E prossegue nas suas acertadas previsões:
“A Monarquia há de baquear. O Brasil pertence à América e a América pertence à República. O sr. Conde D`Eu , em vez de fazer tentativas contra a solução republicana, e a bem do 3º Reinado, devia ter presente sempre ao seu espírito estas palavras que o Rei Luís Felipe, seu avô, disse ao Ministro Guizot: ‘Não consolidaremos jamais a monarquia na França, e um dia virá em que meus filhos não terão pão’.

Que fecunda lição para um príncipe! Medite sobre ela o sr. Conde D`Eu. A experiência ensina!” – advertiu o jovem e corajoso militante republicano. Menos de quatro anos depois suas palavras tornaram-se realidade e abria-se um largo caminho de conquistas para o PRR que, a rigor, permaneceria no poder
até a década de 30.

A Federação não seria um diário singular na luta política do PRR, inúmeros outros jornais e publicações republicano-positivistas seriam criadas nos quase setenta municípios do Rio Grande do Sul e se constituiram em instrumentos estratégicos de criação e consolidação do poder castilhista-borgista por quase quatro décadas. De outro lado, os opositores do castilhismo, do Partido Federalista, também tinham suas inúmeras publicações de propaganda política, fazendo do Rio Grande do Sul um território de intenso debate e livre
manifestação pela cidadania.

Já se vê que no quesito “liberdade de imprensa” o Rio Grande do Sul anda mais atrasado que no fim do século 19. 
Foto: a família imperial brasileira, Conde D'Eu, Dom Pedro 2o, Teresa Cristina e a Princesa Isabel no final do Segundo Reinado – objeto de duras críticas de Júlio de Castilhos em A Federação.

Texto de Cristóvão Feil (http://www.diariogauche.blogspot.com/) 

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