15 de ago. de 2015

ANÁLISE DO RESULTADO DA VOTAÇÃO DO FINANCIAMENTO PRIVADO DE CAMPANHA NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

POR Hélio Sassen Paz


1) Temos 29 partidos representados na Câmara dos Deputados e um único deputado sem partido (o Cabo Dacíolo, do RJ, expulso do PSoL).

2) 479 de um total de 511 deputados federais votaram (93,74%). 32 não foram votar (6,26%).


3) Do universo votante (479), 317 votaram a favor (66,17%), 162 contra (33,81%) e houve apenas uma abstenção (0,2%).

4) PC do B (13; João Derly, RS), PPS (11), PSoL (4) e PT (60 – sendo todos os 7 do RS –, além da abstenção de Weliton Prado, MG) foram os únicos partidos cuja orientação foi votar NÃO ao financiamento privado de campanha.

5) PEN (2), PMN (3), PRB (partido evangélico; 20, inclusive Carlos Gomes, único do partido no RS), PRTB (1), PSDC (2), PSL (1), PTC (1), PT do B (2) e PV (8; incluindo Sarney Filho do MA) votaram 100% sim.

6) DEM (19 a favor e 1 contra; dentre os não-votantes, seu único deputado no RS, Onyx Lorenzini, portanto, ele FOI OMISSO, NÃO COMPARECEU). O DEM é o partido com a maior quantidade e o maior percentual de políticos cassados por corrupção e outros delitos no país);

7) PDT (5 a favor e 13 contra): seus três deputados no RS votaram contra, inclusive o latifundiário e ex-integrante da diretoria da RBS Afonso Motta. Ele pertence a uma direita ética e merece respeito;

8) PTB (de 22, 20 votaram a favor e 2 contra): os três deputados do RS votaram a favor (Luiz Carlos Busato, Ronaldo Nogueira e Sérgio Moraes);

9) SDD (17 a favor, 1 contra): para um partido que se diz sindical, o pensamento de esquerda passa longe;

10) PSD (de 31, 28 votaram a favor e apenas 3 contra): o único deputado do partido no RS, Danrlei, votou contra. Por ser presidente estadual e candidato a prefeito de Porto Alegre, seu voto lhe confere muitos pontos nesse sentido. É bom lembrar que esse partido serve para personificar o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab e trata-se de uma colcha de retalhos que absorveu políticos de PTB, PDB, PMDB e DEM no país inteiro - ideologia é o que menos importa aqui);

11) PSC (mais um partido evangélico - de 13, 11 votaram sim e apenas 2 NÃO): os "coisa queridas" Eduardo Bolsonaro e Pastor Marco Feliciano, obviamente, votaram sim;

12) PSB (de 29, 11 votaram sim e 19 votaram NÃO): sortido demais para um partido dito de esquerda. Os dois gaúchos Heitor Schuch e José Stédile votaram NÃO, junto da guerreira, ética e ex-petista Luiza Erundina. Parabéns!

13) PROS (outro partido evangélico; 7 sim, 4 NÃO): destaque para o NÃO do veteraníssimo Miro Teixeira do RJ, ex-PDT dos tempos de Brizola;

14) PR (partido que mistura evangélicos e latifundiários; de 31 deputados, 30 votaram sim e 1 não): a única deputada do partido que votou NÃO é Clarissa Garotinho, filha dos ex-governadores, ex-deputados estaduais e ex-prefeitos Anthony e Rosinha Garotinho. Parabéns à moça;

15) PP (partido dos generais de pijama, dos latifundiários radicais e dos fidalgos de direita; de 37, 30 votaram sim e apenas 7 votaram NÃO): Afonso Hamm e – PASMEM! – José Otávio Germano foram os dois gaúchos que votaram NÃO. EM SC, o ex-governador ainda dos tempos de ARENA e PDS, Esperidião Amin, também votou contra. Dos demais, não se poderia esperar nada, mesmo… Não esqueçam para não votar em Covatti Filho, Jerônimo Goergen, Luiz Carlos "machista e racista" Heinze e Renato Molling. Outra "celebridade" dessa lista é – claro – Jair "machista e golpista" Bolsonaro, do RJ.

16) PMDB (o partido "sempre no governo", oposição light demais na ditadura, que absorveu muitos filhotes da ARENA; de 64, 50 votaram sim, 1 é o presidente da câmara Eduardo Cunha que botou pilha para votarem a favor mas não pôde votar e 13 votaram NÃO): do RS, apenas José Fogaça (ex-senador e ex-prefeito de Porto Alegre, que foi para o PPS de Odone e Britto e, depois, retornou) e Osmar Terra (ex-secretário de Saúde de Rigotto e Yeda) votaram NÃO. Alceu Moreira, Darcísio Perondi e Mauro Pereira votaram sim. Newton Cardoso Jr. de MG e Leonardo Picciani do RJ, obviamente, votaram sim. Um NÃO surpreendente foi o do veteraníssimo e ex-PFL (DEM) Jarbas Vasconcelos, de PE.

17) PSDB (a "jóia da coroa" em termos de probidade, competência em gestão, coerência e priorização dos mais pobres #‎SQN – de 46, 42 votaram sim e apenas 4 NÃO): seu único votante do RS, Nelson Marchezan Júnior (filho de ex-deputado e ex-ministro da ARENA/PDS/PPB/PP), obviamente, votou sim.

18) 78% dos brasileiros são contra o financiamento privado de campanha: "No próprio Supremo, corre o julgamento de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) impetrada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) que proíbe a doação de empresas privadas a campanhas eleitorais.O caso foi interrompido, no entanto, por um pedido de vista de Gilmar Mendes, que há mais de um ano e três meses não deu seu voto, nem devolveu a ação ao plenário – os ministros já haviam decidido a matéria por 6 votos a 1 contra o financiamento privado.Em sua atuação na presidência da Câmara, Cunha costuma entoar o discurso de que está pautado pela sociedade – a afirmação também foi feita em seu pronunciamento de cinco minutos em rede nacional na última sexta-feira 17. “As principais demandas da sociedade é que estão pautando o nosso trabalho”, declarou o deputado.As pesquisas, no entanto, dizem o contrário: a Câmara vem sendo pautada por sua própria vontade e a de políticos financiados por grandes companhias privadas."

19) Lista de políticos cassados por partido na última década

20) Com base em todos os dados e em todas as fontes ponderadas em todos os itens anteriores, temos 72% de brasileiros dizendo NÃO e apenas 28% dizendo sim à permissão do financiamento privado para campanhas políticas/eleitorais.

Diante do fato amplamente demonstrado pelas operações Lava-Jato e Zelotes de que empresas desviam dinheiro não-declarado (isto é, sonegam impostos) para bancar políticos, está claro que esta é uma das maiores – senão a maior – fonte de corrupção direta, não-vinculada ao mero desvio de dinheiro público nem à sonegação graúda em paraísos fiscais.

Dessa forma, vamos fechar este longo post com a seguinte pergunta:
– QUAIS PARTIDOS REPRESENTAM, NA CÂMARA DOS DEPUTADOS, O ANSEIO POR CORTAR UMA DAS PRINCIPAIS FONTES DE CORRUPÇÃO POLÍTICA? (base: 72% ou mais de NÃO = representam a massa de eleitores; 28% ou mais de sim, não representam):
PC do B: 100%PPS: 100%PSoL: 100%PT: 98,36%

PORTANTO, NENHUM DOS DEMAIS 25 PARTIDOS REPRESENTA OS ANSEIOS DA POPULAÇÃO DE ACABAR COM A CORRUPÇÃO NO BRASIL (inclusive PSDB, PMDB, PTB, PDT, PP, DEM – os maiores e mais antigos, ainda como resquícios da ditadura).

CONCLUSÃO: o antipetismo não faz o menor sentido.

2 de abr. de 2015

Comunicado aos colaboradores do Grupo RBS

Por Marcelo da Silva Duarte (*)
Nada como um dia depois do outro.
Principalmente para um moralista de plantão.
Como é representar uma empresa suspeita de corrupção, que supostamente paga propina para se livrar de débitos tributários? Qual é a sensação de saber que parte do salário que vocês recebem no final do mês é pago, supostamente, graças à corrupção – essa mesma que, insistentemente, tem assolado nossa política -? Como é saber que a expansão empresarial do Grupo RBS supostamente é patrocinada pela corrupção, pela sonegação de tributos que fazem falta para a educação, para a saúde, para as estradas? Como será, a partir de agora, produzir uma matéria, ou escrever um artigo, sobre o “caos na saúde”, se supostamente vocês contribuíram para ele?
A empresa que vocês representam ainda não foi condenada? Bem, mas o que isso importa? Quando vocês, jornalistas do Grupo RBS, se preocuparam com a verdade e com apurações quando escândalos desse tipo envolveram políticos, não é mesmo?
Como é ser vidraça?
E agora, sob a luz dessa acusação, como será falar, em seus programas de rádio, em suas colunas de jornal impresso, sobre propinas pagas por empresários para políticos e diretores da Petrobras? Como será descer do “pedestal ético” do Grupo RBS, do qual se olhou para todos,
indistintamente, durante um bom tempo? Do alto do qual políticos, juízes, promotores, funcionários públicos, agentes políticos, profissionais liberais e cidadãos comuns foram julgados impiedosamente?
Com que moral um representante do Grupo RBS falará sobre isso?
Aliás, com que moral um representante do Grupo falará, a partir dessa denúncia, sobre qualquer coisa que envolva o conceito de corrupção?
Vocês citarão os nomes dos executivos da RBS que supostamente pagaram propinas para funcionários públicos corruptos? E os nomes dos lobistas que supostamente intermediaram essa negociação, vocês dirão? Estão ansiosos por essa lista como estiveram pela famosa “lista de Janot”?
E os editoriais do Grupo RBS, pródigos em acusações, em apontar para a falência moral da política? Como é estar na mesma vala de suspeição, no mesmo nível moral dos políticos e empresários por vocês publicamete execrados?
Por um bom tempo vocês enganaram muitas pessoas. Há aqueles, porém, que jamais engoliram a incompetência, o falseamento da verdade, a ignorância, a má-fé e o exercício diário de crenças irrefletidas praticados por vocês, sabujos do Grupo RBS. Hoje é um dia de alma lavada. Hoje o que resta da dignidade do jornalismo está em festa, pois a face que não presta do jornalismo brasileiro começou a ser desmascarada. Hoje as pessoas que vocês enganaram por um bom tempo também sabem que vocês escrevem a soldo de gente supostamente tão desqualificada moralmente quanto o que há de mais rasteiro na política brasileira. É nessa lama que vocês, colaboradores, parecem indiretamente chafurdar diariamente, sem qualquer espécie de distinção ética, pois pelo menos parte do salário de vocês parece ser pago com o mesmo tipo de dinheiro sujo que movimentou o famoso “Mensalão” e outros tantos escândalos semelhantes. Dinheiro sonegado é dinheiro sujo, além de fazer falta para quem mais precisa do Estado.
Como será saber que seu empregador, caso as denúncias sejam verdadeiras e a culpa do Grupo RBS reste provada, é corresponsável pela pobreza, pela miséria, pela histórica falta de Estado para os mais necessitados? Com que moral vocês irão criticar programas públicos de assistência social, uma vez que há tal assistência também porque há corruptos?
Não há nenhuma diferença moral entre a corrupção supostamente praticada pelos seus patrões e a patrocinada por “mensaleiros” e operadores do esquema da Petrobras, o dito “petrolão”.
Aliás, como será batizada a propina supostamente paga pelos executivos do Grupo RBS a fim de livrar a empresa de débitos tributários?
Caso vocês ainda não tenham se dado conta, estamos falando de, supostamente, 19 bilhões de reais. De advocacia administrativa, tráfico de influência, corrupção ativa e passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro. E, supostamente, nesse mesmo barco estão “queridinhos” do Grupo RBS, como o Grupo Gerdau – e não poucas vezes um conhecido
integrante do referido Grupo nos deu lições baratas sobre ética nas páginas de opinião de veículos do Grupo RBS. E tudo isso, frise-se, dito pela Receita Federal, Polícia Federal, Ministério Público Federal e a Corregedoria do Ministério da Fazenda.
Que razões temos, portanto, para acreditar que tais denúncias são mais “fracas” do que aquelas que culminaram na condenação dos ditos “mensaleiros”?
E agora, como vocês irão dormir sabendo que todo o discurso moral – discurso assumido por cada um de vocês, diga-se de passagem – do Grupo que vocês representam pode nunca ter valido um tostão furado?
Vocês pedirão demissão? Pedirão desculpas públicas por representarem possíveis corruptos – e venderem seus discursos – por tanto tempo? Não é essa a atitude que vocês, colaboradores e porta-vozes da moralidade do Grupo RBS, costumam exigir de políticos?
Tenham o mínimo de dignidade. A mesma que vocês não pensam duas vezes em
exigir quando se trata de desqualificar a política.
(*) Marcelo da Silva Duarte é jornalista.

9 de mar. de 2015

O terror do senhor Jesus ou como subjugar uma minoria através do medo

Por Gustavo Bernardes¹
Imagem: Latuff Brasil
As igrejas evangélicas neopentecostais se especializam cada dia mais em realizar discursos que inculcam o terror nos seus fiéis. Seus pastores e ministros afirmam em suas pregações que a concessão de direitos às minorias causará o fim da família. Esse tipo de discurso tem duas consequências: incentivam a violência contra as minorias e tornam o voto nos candidatos da igreja uma obrigação, já que o voto do fiel evitará a concessão de direitos às minorias e consequentemente salvará a família dele.
A igreja sabe que a concessão de direitos às minorias não irá acabar com a família. Na década de 1970 se dizia que o divórcio acabaria com a família, o que não aconteceu. Os evangélicos neopentecostais também sabem que a bíblia tem muitas contradições e não pode ser interpretada literalmente, portanto ninguém pode afirmar que a bíblia é contra os direitos das minorias. Então, por que as igrejas, em especial a evangélica neopentecostal, continua a se posicionar contra os direitos de minorias como LGBT e mulheres?
Logicamente, uma das respostas para essa questão é a fidelidade dos crentes no momento do voto. Essa fidelidade cria uma bancada de parlamentares nas câmaras municipais, assembleias legislativas, câmara federal e senado federal, também fiel aos interesses da igreja. Mas não é só a fidelidade do voto do crente que cria a fidelidade do parlamentar. O financiamento de parlamentares pelo dízimo imune de impostos das igrejas também estimula a fidelidade parlamentar.
Mas qual a necessidade de tanta fidelidade por parte dos parlamentares? Somente a manutenção da imunidade fiscal das igrejas já seria motivo suficiente para justificar tanto esforço e investimento, mas, há muitos outros interesses como, por exemplo, a necessidade de impor a moral de um determinado grupo religioso para a totalidade dos brasileiros aumentando a influência das suas igrejas e interferindo nas questões estatais que deveriam ser laicas.
Mas o terror praticado pelas igrejas junto aos seus fiéis para atingir aos seus fins também se reproduz nos espaços do Poder Legislativo. Os representantes das igrejas nas casas legislativas perceberam que o mesmo artifício do terror utilizado nos cultos poderia ser utilizado na Câmara Federal, por exemplo. Ao assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal em 2013 o Pastor Marco Feliciano colocou em pauta a chamada “cura gay” e o fim dos benefícios previdenciários para casais do mesmo sexo causando medo e insegurança na sociedade em geral e na população LGBT em específico.
Esse tipo de atitude terrorista tem como consequência esse sentimento de medo e insegurança que mencionei acima, mas também, essa comoção, gera uma grande atenção por parte da mídia o que acaba por fortalecer a posição desses parlamentares perante a base aterrorizada deles nas suas igrejas. Ou seja, esse tipo de comportamento gera votos, que o digam Jair Bolsonaro e o próprio Marco Feliciano.
A recente tentativa da “bancada evangélica” em novamente assumir a presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal visa mais uma vez a atenção da mídia e em causar dor e sofrimento às minorias e defensores de direitos humanos. A Comissão de Direitos Humanos, infelizmente, não é uma comissão importante dentro da Câmara Federal como, por exemplo, a Comissão de Constituição e Justiça. Dificilmente os projetos discutidos na Comissão de Direitos Humanos e Minorias são terminativos. Mesmo assim, ela é um símbolo importante para os movimentos de Direitos Humanos e não tem importância nenhuma para a “bancada evangélica” a não ser atrair a atenção da mídia e aterrorizar os militantes de Direitos Humanos.
Mas como enfrentamos esse clima de terror causado propositadamente pelos integrantes da “bancada evangélica”? Primeiramente denunciando as tentativas desses setores de incutir medo e insegurança na sociedade ou em setores da sociedade. Também precisamos conhecer o funcionamento do Congresso Nacional para que tenhamos a exata medida dos prejuízos que efetivamente teremos. Também é necessário que façamos um monitoramento dos cultos evangélicos na televisão. Precisamos denunciar o discurso do terror através de uma concessão pública de TV. Precisamos sair da defensiva e unir todos os setores aterrorizados pelos bem organizados terroristas. Também precisamos definir uma estratégia para evitar dar visibilidade para esses setores.
1 Advogado, especialista em psicologia social pela UFRGS, ex-coordenador geral de promoção dos direitos de LGBT da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, ex-presidente do Conselho Nacional LGBT.

16 de jan. de 2015

Civilização, fundamentalismo, laicidade, livre pensar e terrorismo de estado.


Teorias conspiratórias a parte, tudo o que envolve esse atentado é muito nebuloso como tem sido nebuloso tudo em que o ocidente está envolvido desde o 11 de setembro. Não são poucas as vozes que vem denunciando a possibilidade dele ter sido executado sob falsa bandeira.
Focar nesse momento a discussão na questão estado laico x religião ou na liberdade de expressão é uma armadilha para desviar a atenção daquilo que é o fundamental, ou seja, o reerguimento do fascismo e a utilização do terrorismo como política de estado. A luta no sentido amplo contra essa nova onda fascistizante e não uma discussão pontual sobre liberdade de expressão, credo ou costumes é, justamente, o que vai garantir a sobrevivência do estado republicano e da laicidade. Não que não se possa discutir essas questões mas elas, via de regra, ficam revestidas de um caráter emocional que acaba por desviar a atenção da questão maior que é justamente saber o por que as coisas chegaram ao ponto em que estão.
Alguém é suficientemente ingênuo ou estúpido para acreditar que qualquer tipo de liberdade poderá sobreviver no modelo de estado policial orwelliano que os eua querem impor ao mundo? Já tivemos provas mais do que suficientes sobre aquilo que nos espera se este país imperialista for bem sucedido no seu intento de dominação global. Todos já esqueceram o escândalo sobre a espionagem generalizada feita pelo NSA - National Security Agency – do qual até a nossa presidenta foi vítima?
Que tipo de liberdade terá um cidadão num regime como esse, com sua vida sendo escrutinada nos mínimos detalhes por um aparato de controle social de modelo totalitário, imposto por um governo que se auto proclama guardião dos valores democráticos e que sob o pretexto de que é preciso combater o terrorismo, viola os princípios mais elementares dessa “democracia” que ele diz representar e defender?
Na minha concepção daquilo que deveria ser a luta pelo estado laico e pela liberdade de expressão não me sinto nenhum pouco entusiasmado em carregar a bandeira do Charlie, até por que a campanha que aquela publicação vinha fazendo contra o islamismo em geral não poucas vezes deslizou para o humor rasteiro, para grosseria e para a provocação irresponsável. Muitos daqueles desenhos não teriam passado no meu critério. Podem chamar de censura, se quiserem. Mas a insistência em associar o islã como um todo a um fundamentalismo sectário e minoritário que usava essa religião como suporte ideológico e pretexto para o extremismo, fez com que o senso comum passasse a associar todo o islamismo ao terrorismo. O fato de alguém gritar Alá é grande enquanto dispara uma metralhadora não coloca todo o islã em cheque como vem sendo feito nessa onda de indignação acrítica pós atentado.
Quando o Charlie insistia em ridicularizar o profeta, a comoção no mundo islâmico era inevitável dada a carga emocional gerada por essa provocação. A impressão que tenho é que os cartunistas franceses não percebiam o jogo pesado no qual estavam se metendo e nem estavam considerando a seriedade das ameaças que recebiam. Para qualquer pessoa sensata capaz de avaliar as consequências que poderiam advir desse ato – como advieram e advirão – era o momento de parar e refletir se o direito a livre expressão justificava lançar mais combustível sobre um fogaréu que já está a bastante tempo fora de controle, beirando a conflagração mundial. Diante desse quadro, como ateu convicto e como observador atento da cena internacional, digo que nesse momento é secundário saber se nós ocidentais levianamente temos ou não o direito de ridicularizar um signo de outra religião em nome de uma liberdade sem limites.
“A simples ideia de que aqueles insultos não seriam insultos já é, ela mesma, preconceituosa e insultante, porque declara que uma cultura – a que santificou a liberdade de manifestação como direito absoluto – seria superior a todas as outras. Essa ideia liberal é indecente, obscena”.
O previsível aconteceu e a dura realidade se impôs na forma de uma violência irreversível. Várias pessoas estão mortas. E como é obvio, o maquiavelismo político aproveita-se da ocasião da pior forma possível. Sempre desconfiei que poderiam haver retaliações, que as ameaças não eram retóricas. Imaginava que alguém poderia sofrer um atentado para intimidar os demais cartunistas. Nunca considerei a possibilidade de uma chacina. Como nunca considerei os desdobramentos sinistros que o caso está tendo. Sempre pode ser pior do que se imagina e ao que tudo indica essa comoção está servido muito mais aos interesses externos ao islamismo do que a ele mesmo.
Então, quais foram os resultados práticos obtidos com esse humor supostamente irreverente e iconoclasta? Deu no que? Num pretexto para um atentado repetidamente anunciado e numa marcha em Paris que serviu de palco para todos os maiores canalhas e criminosos do planeta pontificarem como guardiães da civilização quando são justamente eles os fiadores da barbárie e da violência generalizada em que o mundo está sendo mergulhado. Ver o mega genocida Netanyahu bancando um Luter King é de foder. E ter de ver o líder palestino Abbas, constrangido a participar dessa marcha farsesca ao lado do algoz de seu povo sob pena de o vermos acusado - como mesmo assim o estão acusando!!! - de apoiador do terrorismo, é simplesmente escabroso. Foi para isso que os franceses morreram? Vamos embarcar nessa também???
Assim como vamos embarcar no modelo de “liberdade de expressão” onde nossa mídia completamente avessa a qualquer tipo de crítica aos seus interesses não se furta a convocar chargistas quando isso lhe convém? E ainda se dando ao luxo de estabelecer um modelito oficial de indignação contra os “pérfidos” muçulmanos, que se não for obedecido a risca implicará na censura da charge sem o menor pudor. Depois de termos passados pela censura da ditadura vamos nos acomodar a esse cerceamento canalha e a baboseiras estilo charge on line de lápis partidos sangrando, lápis X AK 47, bonequinhos genéricos de muçulmanos perfurando jornais a bala... que também sangram?
Se vcs ainda não notaram essa é a nova “liberdade de expressão” que está se configurando, onde podemos colocar estrelas no cu do profeta acreditando ingenuamente que com isso estamos lutando pelo estado laico quando na verdade estamos fazendo o jogo de um brutal modelo de dominação que tem como viga mestra a disseminação do preconceito, do ódio, da violência e que mantém o mundo num estado de tensão permanente usando isso como pretexto para perseguir, reprimir e matar. É nesse contexto que temos que colocar os fatos que levaram ao atentado no Charlie Hebdo.
Assim sendo, a pergunta que ninguém faz, por desinformação ou propositalmente, é a quem mais interessa nesse momento semear o caos no planeta? Que pais está hoje envolvido sob forma de intervenção militar direta ou indireta em todos os conflitos em andamento no mundo. Ou melhor, qual o país que de uma forma ou de outra não provocou todos esses conflitos? E sintomaticamente qual o pais que defende a doutrina do “caos controlado” como instrumento de dominação global? E, finalmente, qual pais seria o maior beneficiário desse atentado em Paris?
Pois vejamos: quem teria interesse no aumento da tenção internacional?
O Irã, sistematicamente perseguido pelos eua após ter se libertado do jugo do imperialismo com o triunfo da revolução islâmica?
O Hezbollah, partido armado libanês que expulsou os invasores israelenses do Líbano e que agora combate juntamente com o exército sírio os terroristas jihadistas infiltrados na Síria pelo ocidente?
A Síria, que está numa luta de vida e morte para não ter o mesmo destino da Líbia, qual seja, o de ser destroçada como estado nacional?
A Rússia, que tem apoiado a Síria na sua resistência a invasão terrorista orquestrada pelo ocidente e obstaculizado sistematicamente na ONU as tentativas dos EUA e países capangas de promover uma “guerra humanitária” na Síria?
Ou EUA, o enclave sionista de israel, arábia saudita, e os sabujos europeus como França, Alemanha e Inglaterra que financiam, treinam e armam descaradamente mercenários terroristas que sob a bandeira de uma suposta guerra santa lançam o Oriente Médio no maior caos da sua história? O que, não por acaso, vai ao encontro da intenção dos EUA de destruir a Síria, último obstáculo a ser removido pelo império para que ele possa “redesenhar” o mapa daquela região para melhor saquear o petróleo?
O que ninguém quer discutir nesse momento é um tema de importância fundamental e para o qual tenho chamado a atenção seguidamente, qual seja, o da diluição dos conceitos. Um tema que nos diz diretamente respeito já que como chargistas utilizamos seguidamente conceitos e signos para buscar o melhor entendimento daquilo que produzimos através da nossa linguagem gráfica.
Num mundo em que a direita está apropriando-se de conceitos e do modus operandi da esquerda como tem feito o inqualificável Gene Sharp, até o significado que a palavra revolução tinha a bem pouco tempo não é mais o mesmo. Tido como guru das “revoluções coloridas” ou das tais “primaveras” que andaram eclodindo pelo mundo árabe, Sharp, através de seu suspeitíssimo instituto de duas pessoas – ele e uma secretária – desenvolve “estudos” para promover “mudança não violenta de regimes” autoritários em todo o mundo. Isso em tese. Na prática, seus “estudos” combinados com a doutrina dos golpes de estado de amplo espectro (ou guerra de baixo impacto) são usados pelos eua - com a participação de figuras sinistras como o mega especulador George Soros - para desestabilizar governos que coincidentemente não alinham-se aos seus interesses, sendo ou não ditaduras.
Em 2013 e 2014 essa doutrina foi amplamente empregada na Venezuela para desestabilizar o governo chavista e no Brasil para desestabilizar o governo e depois para deslegitimar a vitória eleitoral de Dilma. Nesses dois países a massa foi arregimentada convicta de que estava participando de uma “revolução, porra!” e não de uma tentativa de golpe de estado. O mesmo roteiro desestabilizador foi utilizado pelos eua para derrubar violentamente o governo eleito da Ucrânia e colocar no seu lugar uma junta nazifascista.
Para quem se diz pacifista, vale a pena ler as gracinhas que Sharp diz sobre a Síria: “... seria muita ingenuidade acreditar que um regime como o de Assad não recorreria ao uso de medidas brutais para reprimir os dissidentes.” Quem seriam os dissidentes? Os terroristas do estado islâmico, cria dos eua? “E sem completar a ideia, sugere que talvez fosse prudente esperar por uma janela de oportunidade mais clara para mudar o regime.” Qual seria essa janela? Bombardeios maciços como os feitos contra a Líbia para destruir sua infra estrutura? “Como um pacifista, Sharp não aposta fichas numa hipotética – e cada vez mais improvável – intervenção militar da ONU. Para ele, ou os movimentos aprendem a romper a lógica da violência, ou não passarão de mais um movimento no pêndulo de intolerância que produz mudanças de cargos, mas não de paradigmas.” Isso também vale para o governo dos eua que usa o terrorismo de estado como instrumento para submeter o mundo a sua vontade?
Assim como o conceito de revolução ficou nebuloso, as contradições do mundo atual também diluíram as fronteiras de outros conceitos. O do estado laico, cavalo de batalha do momento, é um deles.
Para exemplificar tomo o exemplo do nosso próprio país. É visível e preocupante a avançada do pentecostalismo no Brasil com o aumento da sua representação no parlamento e a conseqüente pressão sobre o estado no que diz respeito a revogação de direitos que já estavam garantidos. Não bastasse isso, ainda temos o surgimento de um fenômeno que poderíamos chamar de ódio sectário, ocasionando a destruição de vários templos da religião afro, sem que o governo até o momento tenha tomado qualquer providência quanto a isso. Sempre é bom lembrar que nos cabos diplomáticos trocados entre a embaixada estadunidense no Brasil e seu embaixador, tornados públicos pelo Wikyleaks, Cliford Sobel defendia a ideia de que era conveniente estimular o ódio sectário em nosso país.
Por outro lado, se tomarmos o exemplo do Irã, onde o regime é teocrático e a despeito de todas as infâmias e provocações que o enclave sionista de israel tem lhe feito, este país garante a comunidade judaica local a manutenção de seus costumes a ponto de permitir sinagogas, cemitérios, escolas e até o funcionamento de açougues onde é feito o tradicional corte kosher. Segundo a propaganda ocidental o regime iraniano é intolerante e sectário. No entanto garante os direitos de uma minoria. No Brasil, que oficialmente é um estado laico, uma minoria sofre constrangimento violento que só tende a aumentar e o governo não consegue conter a escalada dessa violência. Estão quem somos nós para exigir em nome da laicidade e da livre expressão o direito de tripudiar sobre a cultura religiosa de outros povos se não conseguimos impor a laicidade do nosso estado frente a ofensiva pentecostal e nem sustentar a liberdade de credo garantida em nossa constituição?
Outro conceito que está sendo corroído é o de civilização. O mundo ocidental sempre reivindicou para si esse conceito com uma espécie de propriedade particular imaterial e permanentemente o evoca como um conjunto de valores morais e culturais superiores que podem ser impostos ou sobrepostos aos de qualquer outra cultura. Mesmo quando se sabe que o processo civilizatório como o conhecemos hoje é o somatório de valores e conhecimentos produzidos por inúmeras culturas ao longo da história e que geograficamente estavam ou estão fora dos limites daquilo que atualmente consideramos como mundo ocidental. Frequentemente o conceito de civilização também é evocado para justificar a prepotência do ocidente frente aos países considerados periféricos ou subdesenvolvidos. Ou quando um desse países ou grupo de indivíduos não pertencentes ao núcleos dos países “civilizados”se insurge de forma violenta ou não contra a dominação ocidental. É muito comum nesses momentos ouvir-se que “a civilização está sob ataque”. Não foi diferente no caso do atentado em Paris.
O ataque contra os cartunistas franceses teria sido perpetrado por terroristas fundamentalistas muçulmanos e atingiu em cheio dois conceitos basilares da cultura ocidental. O primeiro foi o da liberdade de expressão e o segundo o próprio conceito de civilização. Quando eu disse que o ataque “teria sido perpetrado” é porque tudo o que o envolve está muito mal explicado, começado pela visível desenvoltura dos três terroristas que na verdade são dois porque o terceiro nunca aparece, passando pela pessoas deitada na calçada que leva um tiro na cabeça sem o levar e sem sangrar, pois a bala atinge o solo de maneira bem visível a ponto de levantar poeira de fragmentos da lage, do esquecimento do passaporte no carro, da “eficiência” da polícia francesa em apontar o terceiro suspeito que estava em sala de aula no momento do atentado e da rapidez com que eliminou os outros dois (morto não fala não é?) e tantas outros episódios que não batem.
Mas aceitemos que o atentado tenha sido feito por terroristas “muçulmanos” o que mesmo assim não autoriza ninguém a identificar o islamismo com a violência sectária, pois segundo os franceses os responsáveis fariam parte da Al-qaeda. Como todos já devem saber, essa é uma organização terrorista criada pelos EUA e que agrupa várias facções de mercenários que usam de forma oportunista o islamismo como bandeira, com menor ou maior grau de radicalismo. Poucos desses grupos obedecem a uma hierarquia e disciplina militar. Disputam poder entre si ao ponto de se enfrentarem em combates, com os maiores grupos absorvendo os menores. Seus líderes na maioria são oportunistas e ladrões que na Síria frequentemente loteiam áreas de influência e na boa tradição mercenária guerreiam para quem paga mais. Com a ascensão do estado islâmico houve uma espécie de unificação desses grupos que receberam e continuam recebendo consistente ajuda em armas, treinamento e abastecimento dos eua, do enclave sionista israelense, da arábia saudita, dos emirados do golfo, da Turquia, Inglaterra, França e Alemanha. Com a ocupação de parte do território sírio, o estado islâmico suplementa a ajuda fornecida por seus aliados com dinheiro da venda do petróleo roubado da Síria e que é escoado para Europa “legalizado” com notas frias fornecidas nos portos israelenses.
Do outro lado dessa “coalizão de vontades” estão a Síria, único estado laico e multi étnico da região, invadido e sistematicamente atacado pelas hordas de terroristas jihadistas apoiados pelo ocidente;
A Rússia, aliada que tem impedido na ONU todas as tentativas dos EUA para legitimar “bombardeios humanitários” contra a Síria, além de dar apoio estratégico fundamental no desmantelamento das farsas montadas pelos estadunidenses contra o governo de Damasco, como foi a tentativa de impingir aos sírios a utilização de armas químicas contra civis;
O Irã, que além de apoiar politicamente e materialmente a Síria, também apóia o partido armado libanês Hezbollah de orientação xiita;
E o próprio Hezbollah, que luta ao lado do exército sírio contra os terroristas mercenários.
Aqui chegamos ao divisor de águas entre o que é mentira e o que é a verdade, sobre quem defende o que, sobre laicidade, liberdade de expressão e civilização. De um lado temos dois países e um partido armado defendendo um estado laico que está sob ataque implacável de terroristas mercenários que auto proclamam-se fundamentalistas islamitas. Desses dois países, um deles é uma teocracia xiita e o partido armado também é da mesma orientação religiosa. No outro lado, apoiando o ataque terrorista fundamentalista, estão vários estados ocidentais que se proclamam laicos e guardiães da civilização.
Diante desse paradoxo eu gostaria que meus colegas chargistas me dissessem com quem devo me solidarizar: se com os que estão de armas na mão – e isso para mim é um dado inegociável nessa discussão - pois trata-se de gente que põe sua vida em risco e suas convicções religiosas abaixo do valor maior que é defender o estado laico e o próprio processo civilizatório. Ou solidarizar-me com gente que ao que tudo indica rifou sua vida num jogo de interesses por não compreender exatamente o alcance daquilo em que estavam se metendo ao se disporem, de sangue doce, a fazer piadas grosseiras sobre questões menores em nome de uma suposta liberdade de expressão, enquanto o governo de seu pais descia ao nível da mais pura barbárie utilizando-se de terroristas mercenários como exército supra nacional para promover intervenções sanguinárias em nome dos interesses do capital globalizado?

Eugênio Neves, cartunista.